ANAIS

Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo

Prof. Dr. Antonio A. Bispo. Universidade de Colonia. ISMPS/ABE

Palestrina - Brasil

Musicologia e Estudos Culturais


BRASIL NA MÚSICA SACRA( MÚSICA SACRA NO BRASIL

450 ANOS de GIOVANNI PIERLUIGI DA PALESTRINA


JORNADAS DE ROMA


1975

 


Giovanni Pierluigi da Palestrina (ca. 1525  - 1594 Roma) foi um dos vultos da história da música considerados com particular atenção em projeto de estudos culturais e musicológicos em contextos globais desenvolvido na Europa.a partir de 1974.  


Esse projeto, de iniciativa brasileira, partiu de estudos e reflexões encetadas em São Paulo desde meados da década de 1960. Foi elaborado no Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão e em em cursos Estruturação, Estética e de História da Música em nível de pós-graduação na Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo. O seu desenvolvimento em âmbito internacional foi possibilitado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico, sendo sediado no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia. 


No projeto, a atenção a Palestrina relacionou-se sob vários aspectos com aquela de J.S.Bach em relações Alemanha-Brasil que marcou os trabalhos no Norte da Alemanha que antecederam aqueles de Colonia. Em encontros na Escola Superior de Música de Hannover com Volker Gwinner (1912-2004), considerou-se paralelos e diferenças entre desenvolvimentos em contextos católicos e evangélicos do século XIX. 


Se do lado católico foram marcados por um ideário referenciado por Palestrina da época tridentina e por um estilo palestriniano promovido pelo Cecilianismo, por outro sobretudo pela referenciação segundo Bach e o movimento Bach. Ambos foram expressões de visões voltadas ao passado e a vultos considerados como modelares do século que foi não apenas aquele de extraordinários desenvolvimentos materiais, de industrialização e de mudanças sociais e desenvolvimentos urbanos, como também da Restauração e do Historismo.


Problemática: século XIX


O motivo da especial atenção a G.P. da Palestrina em 1975 foi a celebração dos 450 anos do seu nascimento. A consideração dessa data fora reconhecida no Brasil como momento adequado não só para a rememoração de um compositor que marcou como poucos a história da música sacra e de seus estudos, como também para a discussão do seu significado para análise de processos culturais em contextos mundiais. 


O Ano Palestrina ofereceu-se como um momento adequado para um debate mais intenso sobre revisões de perspectivas históricas e de concepções sacro-musicais estreitamente vinculadas com o seu nome, a sua obra e com um estilo palestriniano que se impunham nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II. Os estudos dirigiram-se não tanto a estudos histórico-musicais do compositor, de sua formação, obra e do seu significado à época do Concílio de Trento, mas sim a processos desencadeados e suas expressões no decorrer dos séculos, assim como à problemática historiográfica nas suas implicações para os estudos culturais. 


O significado de Palestrina e sua época não se limitam ao estudo do século XVI. Uma particular atenção dos estudos foi dedicada ao século XIX como aquele do movimento de restauração litúrgico-musical. Esse concentração de interesses decorria da atualidade do debate sobre a necessidade de revisões de concepções e práticas nos anos pós-conciliares tanto no Brasil como na Europa. 


A renovação de concepções e de práticas na música sacra, em particular em países extra-europeus, exigia a revisão de perspectivas, procedimentos, repertórios e práticas remontantes ao século da Restauração e do Historismo no Brasil. Esses intentos vinham ao encontro também de um interesse pela reconsideração do século XIX em cículos de musicológos, em particular também da consideração de desenvolvimentos histórico-musicais do século XIX. Neste sentido, encontrava-se em andamento um projeto editorial concernente ás Culturas Musicais da América Latina no Século XIX no departamento de Etnomusicologia do Instituto de Musicologia de Colonia.


Palestrina nos anos pós-conciliares


Palestrina foi sempre considerado e celebrado na área de História da Música em conservatórios e em cursos de música em seminários e instituições religiosas no Brasil. Tratado em livros e compêndios, assim como em artigos em revistas de música sacra, a sua imagem era a de uma autoridade inquestionável, representante de um ideal de música sacra de valor e vigência universal. A sua obra era exemplo da sacralidade da música para o culto que devia ser seguido e mesmo imitado. Concepções e composições daqueles que se orientaram segundo esse referencial derminaram por décadas o ensino e a prática musical em seminários e igrejas, em particular também na sé de São Paulo.


O Concílio Vaticano II representou um marco em desenvolvimentos que já anteriormente tinham conhecido tendências de renovação. Os anos que a êle se seguiram foram marcados no Brasil por ímpetos renovadores que levaram ao abalo de convicções, anelos e práticas. Ainda que nem sempre consciente, estremeceu-se todo um edifício de imagens e concepções concernentes à música sacra nos seus sentidos e funções no culto e em práticas religiosas. Em dimensões mais amplas, critérios de sacralidade nas suas expressões musicais foram abalados. Essas decorrências significaram uma mudança paradigmática que atingiu Palestrina e sua obra, assim como aqueles criadas posteriormente segundo imagens idealizadoras de sua obra e da época tridentina. 


Com as mudanças dos anos pós-conciliares, questionou-se acepções e práticas concernentes à polifonia vocal de sua época, considerada como exemplar, até mesmo clássica nos seus valores normativos e daquela criada e cultivada segundo os seus modêlos idealizados através dos séculos. Abaladas foram concepções que até então vigoraram, como a de elos intrínsecos e mesmo essenciais sob o aspecto da sacralidade entre música e texto latino e a de uma fundamental diferenciação entre o sagrado e o profano. Mudanças quanto a referenciais atingiram a prática da música polifônica em geral, o ensino do contraponto na formação de músicos e compositores, exigindo revisões e relativações nos estudos histórico-musicais. 


Em dimensões mais amplas, esse abalo de paradigmas veio ao encontro de preocupações e anseios de renovação de perspectivas e procedimentos nos estudos culturais e musicais da década de 1960. Correspondeu a anelos de superação de estreitezas de visões e de delimitações e categorizações de objetos de estudos, de esferas e áreas. Assim como em outros casos, não se tratava mais da difusão ou propagação de obras, no caso daquelas de Palestrina e de compositores que se orientaram segundo um estilo palestriniano, mas sim da difusão de um novo modo de pensar, de uma Nova Difusão, um movimento no âmbito do qual instituiu-se o Centro de Pesquisas em Musicologia. 


Os estudos que passaram a ser conduzidos trouxeram à consciência a necessidade de análise de caminhos de difusão de obras, concepções e práticas que desde o século XIX tinha determinado desenvolvimentos na prática musical nas igrejas, na composição, nas escolas e na formação de sacerdotes. Esse desenvolvimento não se limitara ao século XIX, mas tivera continuidade no século XX, tendo aqui como marco o Motu Proprio de Pio X (1903). Concepções de periodização histórica necessitariam ser repensadas.


Desenvolvimento dos estudos


Estudos em acervos particulares e arquivos eclesiásticos conduzidos em São Paulo na década de 1960 trouxeram à luz a presença de obras de Palestrina na prática sacro-musical em igrejas de São Paulo, seminários e instituições religiosas e de ensino nos séculos XIX e XX. A atenção, dirigida aos caminhos de recepção e difusão dessas obras, trouxe à consciência as diferenças quanto a contextos globais em que esses processos se inseriram. 


Reconheceu-se que os estudos dos caminhos restaurativos, também nas suas expressões arquitetônicas e artícas em geral precisam ser conduzidos em estreitas relações com aqueles de contextos europeus. A recepção e o cultivo de obras de Palestrina no Brasil devem ser tratados não só sob o aspecto de uma continuidade de concepções e práticas mais remotas, como aqueles que se manifestavam no stilo antico de compositores de todas as épocas, como também sob o aspecto da recepção de estudos e edições de autores cecilianos. A consideração da recepção de Palestrina no Brasil revela-se como uma importante tarefa de estudos musicológicos orientados segundo análises de processos e, reciprocamente, de estudos de processos culturais de condução musicológica.


Os estudos desenvolvidos desde a década de 1960 trouxeram à luz obras que documentaram a presença de obras de Palestrina no século XIX. Concomitantemente, a pesquisa empírica, de observação participante de expressões tradicionais, levou à constatação de obras transmitidas tradicionalmente, sem indicação de autor, em geral a cappella e em stilo antico e que levantavam questões quanto a suas origens. Não se podia em muitos casos discernir se representavam permanências de remotas origens ou se eram resultado de recepção de obras mais recentes, expressões dos anelos restaurativos do século XIX.


O Miserere de Palestrina na antiga Sé de São Paulo


A presença de obras de Palestrina no repertório da Sé de São Paulo e em outras igrejas nas últimas décadas do século XIX pôde ser constatado em exames de arquivos. Uma atenção particular foi dada a presença de obra de Palestrina no acervo do músico e compositor português Pedro Gomes Cardim, pai de uma geração de músicos, artistas e intelectuais que marcaram a vida cultural de São Paulo por décadas e que desempenhou papel significativo em círculos mais influentes do clero, na Sé, nas igrejas dos Clérigos e em irmandades como a do Carmo. Formado com os mais destacados compositores e teóricos portugueses, marcado por acentuada religiosidae, teria contribuído para a difusão de correntes do pensamento e da prática sacro-musical européia no Brasil.


O mais importante documento levantado foi o Miserere de Palestrina de uso na antiga Sé de São Paulo em anos anteriores à sua demolição.De particular significado são anotações nos manuscritos que documentam o papel exercido pela prática musical na Sé como modêlo para outras igrejas. A Sé, pelo significado de sua pratica sacro-musical tornou-se um centro irradiaor do movimento restaurativo. 


O Miserere de Palestrina foi copiado por um dos membros do coro, o então jovem cantor e compositor Carlos Cruz, músico de ascendência africana, de modestas origens, que o levou para a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo. Tendo recebido formação no Liceu dos Salesianos de São Paulo, tinha ali provavelmente recebido dos religiosos italianos preparo para o reconhecimento do significado modelar de Palestrina segundo o ideário eclesiásticos e de meios sacro-musicais. A irmandade do Rosário encontrava-se em estado de transição, de demolição de sua secular igreja e de construção de uma nova, fora do núcleo histórico da cidade.


A partitura do Miserere da Sé de São Paulo surgiu como documento de particular relevância por vir ao encontro dos estudos referentes à prática a cappella em procissões de São Paulo. Possibilitou cotejos com a partitura reconstruída dos Motetos dos Passos de irmandades, sobretudo daqueles da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo.


É significativo que tenha sido um Miserere - obra referente a um salmo penitencial (salmo 51) - aquela que surge como principal documento da presença de Palestrina na Sé de São Paulo e de sua difusão em outras igrejas. A obra de Palestrina e a polifonia vocal a cappella então fomentada contrastava na sua linguagem musical com a tradição da música sacra com acompanhamento instrumental do passado, correspondendo antes àquela de atos litúrgicos e paraliturgicos de cunho severo e passional. 


No centro dos debates que partiram do Miserere manuscrito da Sé de São Paulo esteve a questão do stilo antico sob o aspecto de sua adequação cultural segundo a prática da tradição sacro-musical no Brasil. Do mais alto significado para esses debates foi o fato de ter o organista registrado improvisações para o acompanhamento e interpretação de sentidos do texto „auditui meo dabis gaudium et laetitiam,exultabunt ossa humiliata“ (dará alegria aos meus ouvidos, e os ossos humilhados se exultarão). Essa inserção indica que o organista procurou superar a concisão do tratamento vocal da composição através de uma acentuação da expressividade e do conteúdo emocional do texto.


Semana Santa em Roma em 1975


A realizacão de estudos em Roma por motivo dessa celebração foram preparados em São Paulo. As instituições e locais a serem visituados e e sua temática foram discutidos e.o. com. Roberto Schnorrenberg e membros do Collegium Musicum de São Paulo, José de Almeida Penalva, diretor do Studium Theologicum (Curitiba), Eleanor Dewey, Instituto Pio X de São Paulo, José Geraldo de Souza, formado no Istituto Pontificio di Musica Sacra e Dom João Evangelista Enout, OSB, do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. 


Palestrina -, após atuar na sua cidade natal - tornou-se como mestre de meninos cantores da Capela Júlia, sendo nomeado para o Colégio de Cantores da Capela Sixtina. A atenção foi dirigida a seguir a São João do Laterano, onde Palestrina, após ser dispensado da Capela Sixtina pelo Papa Pauli IV por ser leigo e casado, desempenhou o papel de mestre-de-capela.até passar a Santa Maria Maior.


Os estudos consideraram várias publicações, brasileiras e internacionais. Destas, salientaram-se já no Brasil estudos de Karl-Gustav Fellerer (1902-1984) acessíveis em São Paulo, entre outros  „Church music and the Council of Trient“no The Musical Quaterly (39/4, 576-594, New York 1953) e „Palestrina“, publicado em Sacred Music 92, 66-77, 1965. 


Os estudos no âmbito do projeto puderam partir das muitas publicações de Fellerer, com êle consideradas. Essas leituras iniciaram-se com o seu artigo „Palestrina“, publicado na revista Das Musikleben em 1950 (15-16). Os estudos do Concílio de Trento sob o aspecto da música sacra partiram de contribuição em publicação de 1951 („Das Tridentinum und die Kirchenmusik“ em G. Schreiber, Das Weltkonzil von Trient, Freiburg, 447-462). Voltou a tratar de Palestrina em congresso internacional de música sacra em Berna, em 1952 (publicado em Musica Sacra, 1-16, Malines 1953). Nesse mesmo ano tratou dos caminhos a palestrina („Wege zu Palestrina“ na revista Dienst der Kirche 34/1, 7-9, 1953). 


Na Semana de Música Sacra Medieval, em 1956, tratou de Palestrina e Orlando di Lassus (Festwoche mittelalterlicher Kirchenmusik, 31-38, 1956). Fundamental foi o seu estudo sobre a prática de execução da polifonia clássica („Zur Aufführungspraxis der altklassischen Polyphonie“ CVO 2967-298, 1957). Ocupou-se com a sua formação e primeiros anos de atuação („Palestrinas Jugend und ersten Wirken“, CVO 11, 312-315, 1960). Para os estudos que se desenvolveram no âmbito do projeto destacarou-se o seu estudo sobre a polifonia clássica no século XVIII („Zum Bild der altklassischen Polyphonie im 18. Jahrhundert,“ Festschrift Ernst Hermann Meyer zum 60. Geburtstag 243-252m Leipzig 1973). 


Em 1975, Fellerer estava preparando a publicação de dois artigos na publicação de ampla difusão da organização da sociedade ceciliana („Palestrinas Kirchenmusik“, CV/Musica sacra 95/2, 73-78 e „O Estilo de Palestrina“, CV Musica sacra 95/2, 82-86).


Cooperações com musicólogos portugueses


Os estudos brasileiros no ano Palestrina foram desenvolvidos em estreitas cooperações com a musicóloga portuguesa Maria Augusta Alves Barbosa, professora de História da Música no Conservatório Nacional de Lisboa e que atuava no Instituto de Musicologia de Colonia. Realizara o seu doutormento sobre compositor e teórico português do Renascimento e mantinha vasta biblioteca de estudos portugueses relacionados com Palestrina e a polifonia vocal. Entre êles, salientavam-se estudos de Mário de Sampaio Ribeiro (1868-1966), que tinha também mantido estreitos contatos dom pesquisadores brasileiros. 


A obra de Palestrina surgia na literatura como um marco no desenvolvimentos de concepções, de práticas composicionais e de execução musical também em Portugal. Era padrão e figura modelar, referencial em continuidades. assim como objeto de idealizações do passado, de anelos de retorno a fundamentos, retroativos, restauradores, de reafirmação religiosa no século XIX e suas extensões no XX. O debate brasileiro sobre questões historiográficas relacionadas com Palestrina diziam respeito também a estudos portugueses, uma vez que tratavam do século dos Descobrimentos e do período de união pessoal entre a Espanha e Portugal.


Com a fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Lingua Portuguesa (ISMPS) em 1985, a atenção foi dirigida à época das Descobertas.Em estudos e eventos considerou-se a necessidade de se considerar a música no contexto dos processos desencadeados pelos descobrimentos, das primeiras décadas das missões da Companhia de Jesus em estreito relacionamento com processos da história da Reformação e da Contra-Reforma e daqueles que levaram ao Concílio de Triento (1545-1563) em contextos globais. Essa perspectiva era não séo de relevância para os estudos da música em Portugal e das regiões descobertas, missionadas e colonizadas, como também estabeleciam um nova posição e abria novas perspectivas para os estudos de Palestrina e sua época.


Essa perspectiva de Portugal e dos países alcançados e marcados pelos portugueses foi considerada a partir das reflexões que haviam sido encetadas nas principais instituições relacionadas com a sua vida e obra em Roma. Principal escopo das reflexões foi sempre o de trazer à consciência que a formação e as atividades de Palestrina decorreram assim em época que foi marcada pelos feitos e decorrência no mundo da expansão portuguesa, dos trágicos eventos de Dom Sebastião na África, da época do Cardeal Dom Henrique e que foram seguidas por aquelas da perda de emancipação portuguesa com a União Pessoal com a Espanha. 


Não se pode suficientemente salientar que esse século foi aquele do início da história das atividades da Companhia de Jesus no Brasil e em outras partes do mundo e que Palestrina em 1566, atuara no recém-fundado Collegium Romanum da Companhia de Jesus, dali passando a mestre-de-capela na Corte do Cardinal Este e reassumindo a seguir o seu cargo em São Pedro.Em época marcada pelo debate concernente à música sacra quanto à sua adequação ao culto, de crítica a expressões sentidas como inapropriadas da tradição da arte polifônica  franco-flamenga, as suas obras se destacaram pelas suas características e adequação quanto ao tratamento dos textos. Foi nomeado compositor da capela pontifícia. Atuou na reforma do canto gregoriano sob Gregorio XIII  (1577). Com Annibale Zoilo procedeu à revisão do Graduale, marcada esta e.o. por limitações no concernente a melismas. Discutida foi a sua atuação e a de Zoilo na Editio Medicae do Graduale, de 1614.


Portugal e Brasil não podiam assim deixar de desempenhar papel relevante em debates referentes à uma reorientação dos estudos referentes a Palestrina sob o aspecto de estudos culturais dirigidos à análise de processos em contextos globais. O problema Palestrina - e a do Concílio de Trento - insere-se em processos que marcaram o século do Descobrimento, o início e as primeiras décadas da história colonial e missionária do Brasil. Como maior nação católica do mundo, não podia deixar de desempenhar papel de particular significado nos debates. 


Dimensões abrangentes dos estudos


Palestrina e sua obra mantiveram-se como imagens condutoras não só quanto a sentidos e funções da música no culto, de uma inerente sacralidade. Esse referenciação pelo passado tridentino teve  também dimensões mais amplas, concernentes a uma restauração religiosa da sociedade vista como em risco por processos secularizadores, da educação e da propagação de normas segundos critérios eclesiásticos. Concepções sacro-musicais segundo o ideário palestriniano tornaram-se esteios e agentes de desenvolvimentos restauradores, reacionários no sentido de reagirem contra processos secularizadores em continuidade do anti-modernismo do Concílio Vaticano I. 


Palestrina, sua obra, sua permanência através dos séculos em diferentes contextos, seus pressupostos e implicações não podem ser considerados apenas a partir de entradas em léxicos ou compêncios que oferecem panoramas histórico-musicais. Palestrina diz respeito a fundamentais problemas historiográficos e de análises de processos culturais. Trata-se de uma problemática de amplas dimensões e que exige ser analisada nas dimensões globais. 


O seu estudo diz respeito a visões, construções e reconstruções do passado, a imagens, idealizações, ideários e ideologias, a referenciações em desenvolvimentos temporais, a questões de periodização histórica e processos, a continuidades, permanências e retomadas, a orientações e reorientações, a fundamentalismos, a concepções de sacralidade em oposição ao profano. Diz respeito assim a problemas concernentes à visão do mundo e do homem, ao condicionamento mental e psíquico de indivíduos e coletividades através de missões e da propagação religiosa, a um imaginário que serviu também a movimentos reativos, contrários a desenvolvimentos remontantes ao Esclarecimento.


Os estudos em Roma foram realizados em estreitas relações com colóquios conduzidos em Ratisbona (Regensburg), principal centro do Cecilianismo e que celebrara o centenário de sua escola de música sacra em 1974. Um dos temas tratados foi o da recepção de obras de Palestrina em São Paulo a partir de edições alemãs de representantes do Cecilianismo. 


Nesses encontros retomaram-se os estudos de fontes conduzidos em São Paulo, em particular o Miserere de Palestrina pertencente à Sé de São Paulo em fins do século XIX. Procurou-se, nos diálogos, responder a a questões levantadas sobre a recepção de obras de Palestrina através publicadas por autores cecilianistas no Brasil. 


Questionou-se se a partitura do Miserere proveniente da antiga Sé de São Paulo, sendo anterior ao Motu Proprio de 1903, seria cópia da edição de Franz Xaver Haberl 81840-1910), publicada na Opera omnia Ioannis Petraloysii Praenestini, Vol. XXX, Leipzig Breitkopf & Härtel 1891 (p. 14). No Seminário Central, em décadas que se seguiram.conhecia-se o Miserere de sua edição por Oreste Ravanello (1871-1938) na Secunda anthologia vocalis Op. 66 (Torino: Capra, 1903).


Desenvolvimentos subsequentes


Em colóquios e conferências, o tema foi tratado em diversas ocasiões. Com C. Person de Mattos, a atenção dirigiu-se ao estilo antico em obras do Pe. José Maria Nunes Garcia (1767-1830). O debate teve continuidade em em Roma quando da preparação da Collectanea Musicae Sacrae Brasiliensis, cujos textos deveriam servir de ponto de partida para questionamentos e discussões no Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira realizado em São Paulo, em 1981. Neste, a problemática foi discutida sobretudo em seções dedicadas à polifonia vocal, onde foram executadas obras de compositores do século XX que exemplificam referenciações com o passado visto como modelar.





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